segunda-feira, 25 de março de 2013

PLANTÃO DE DÚVIDAS: Lei de Locações

Por e-mail, a acadêmica Queciana Moreno, pergunta:

"Boa noite, Professor.

Gostaria de saber a correta interpretação do art. 54-A da lei 8245,
inserido pela lei 12744. O parágrafo 1º desse mesmo artigo não seria
inconstitucional?"


RESPOSTA: Cara Queciana, prezados acadêmicos e estudiosos em geral, apesar de recente, a norma em comento não inova tanto quanto parece em relação ao instituto que regula. Na verdade, trata-se de estender uma previsão já existente em relação aos contratos de shopping center, verbis:

"Art. 54. Nas relações entre lojistas e empreendedores de shopping center , prevalecerão as condições livremente pactuadas nos contratos de locação respectivos e as disposições procedimentais previstas nesta lei."

Ali no shopping center, dois são os fatores que primordialmente justificam esse tratamento. Em primeiro lugar, há o fato de que entre os contraentes não há, a priori, relação de hipossuficiência, tratando-se de dois empresários que supostamente encontram-se em situação de paridade na relação negocial. Em segundo ponto, a independência/autonomia do empreendedor na implementação do formato negocial se justifica por ser uma opção do legislador, que ao deixar de tutelar de forma completa um instituto, no caso, o contrato de shopping center, cumpre seu intento de assegurar às partes (empresários) maior liberdade negocial, questão essencial aos caracteres dinâmicos da matéria empresarial, além de permitir que em cada caso se promova a aferição mais individualizada do tipo de estrutura que o empreendedor organizou em seu centro comercial, pois quanto mais complexo seu organismo, tanto mais estruturado será o contrato correspondente e o custo daí decorrente para ambas as partes.

A figura nova, decorrente do art.. 54-A, a princípio pode causar espécie, denotando certa estranheza, mas basta estudo mais acurado para perceber a mens legis: propiciar condições mais individualizadas de negociação da locação empresarial (não residencial, englobando também a simples), notadamente nos casos em que o contrato contemple imóvel que, p. e., está em mal estado de conservação ou até impróprio para uso, fazendo-se necessárias reformas substanciais que o locador/proprietário não tenha condições de implementar. Nesses casos, será possível a alteração de condições gerais do contrato de locação, a fim de adequá-lo a essa particularidade, conferindo a ambos mais segurança e oportunidade.

O locador terá a segurança de que seu imóvel será alugado, apesar de incialmente impróprio para isso, obtendo a "certeza" de que com o aperfeiçoamento fará jus ao recebimento de um aluguel mensal.

O locatário, a seu turno, terá condições de obter condições igualmente favoráveis, adequando a estrutura física predial em reforma às suas exatas necessidades empresariais. Além disso, a liberdade maior na estipulação contratual se traduz na elevação da segurança acerca desse investimento, pois outras ferramentas de vinculação poderão ser implementadas no contrato, além da já prevista garantia do direito de inerência ao ponto (Lei n. 8.245/91, art. 51).

Uma situação comum que permite visualizar bem a aplicação eficaz desse novo instituto é a locação de lote ou terra nua. Ora, quantos de vocês, leitores, não estavam passando pela rua e, ao avistarem uma placa de "aluga-se" posta em lote sem edificação se perguntaram: "como será possível alugar imóvel sem construção?". A resposta é simples: o locatário aluga o lote sem construção, se incumbe de investir na edificação às suas expensas (com dinheiro que geralmente o dono do imóvel/locador não tem ou não quer dispender) o prédio que melhor atenda ao seu negócio e firma as condições que assegurarão, em tese, um retorno financeiro que compense não apenas o aluguel, mas também o investimento na construção.

Particularmente em relação ao § 1. do referido art. 54-A, veja que a renúncia do direito de revisão dos alugueis diz respeito à abdicação da prerrogativa de promover a atualização da contrapartida da locação, especialmente no caso de se pretender, com o "congelamento" desse valor, assegurar melhor condição de amortização do investimento feito pelo locatário. Entenda que a renúncia não é completa, não é total, de molde a extrair do Poder Judiciário a competência jurisdicional para rever os termos negociais, quando cabível. Trata-se, à toda evidência, apenas de uma eficácia negocial. 

Para melhor entender, imagine, para tomar como exemplo, a negociação do Flamboyant Shopping Center (Jardim Goiás Empr. Imob. Ltda.) para alugar ao Carrefour o espaço de construção de seu hipermercado. Tratando-se de terra nua, a multinacional projeta o retorno financeiro do investimento a ser feito na construção predial com a segurança de que o contrato terá uma vigência inicial elástica, de, digamos, 20 anos. Ao cabo desse período, o investimento já está todo amortizado e, ainda, haverá a possibilidade de continuidade da locação com o direito de inerência ao ponto. Com o novo regramento, situações como essas ficarão mais fáceis em termos de negociação.

Concluindo, entendo que, s. m. j., não há inconstitucionalidade no mencionado preceito legal, apenas o atendimento a um reclamo comum e justo da atividade econômica em geral e empresarial em particular.

OBS.: você também pode colaborar, mandando suas dúvidas para serem respondidas por qualquer professor colaborador, pelos monitores ou pelo professor encarregado deste site. Não perca a oportunidade de fazer uso de mais essa ferramenta acadêmica!

Prof. Me. Giulliano Rodrigo Gonçalves e Silva

4 comentários:

Anônimo disse...

O Complexo Prisional Público Privado (CPPP) localizado em Ribeirão das Neves - MG, seria um caso de contrato "Built to Suit"?

Anônimo disse...

O Complexo Prisional Público Privado (CPPP) localizado em Ribeirão das Neves - MG seria um exemplo de contrato da modalidade "Built to Suit"?

Monitoria do Curso de Direito disse...

Caro arguinte (Anônimo), em primeiro lugar, justifico a demora na resposta por conta de um problema técnico que experimentamos no site, somente agora superado.
Quanto ao questionamento, obtive junto ao site oficial da Secretaria de Estado de Defesa Social de Minas Gerais (disponível em: . Acesso em: 29-1-2014) a informação de que o Complexo Prisional Público Privado localizado em Ribeirão das Neves-MG foi edificado por meio do modelo de concessão administrativa, em que o grupo vencedor da licitação, o consórcio nacional denominado "Gestores Prisionais Associados - GPA", se incumbiu da construção e administração do complexo prisional, de acordo com os parâmetros estabelecidos no edital, pelo prazo de 27 (vinte e sete) anos, sendo 2 (dois) anos para a construção e 25 (vinte e cinco) anos para operação do complexo.
Assim, considerando que "Built to suit" é uma modalidade de locação a longo prazo em que o locatário se incumbe dos gastos com a construção que se amolde às suas necessidades, liberando o dono do imóvel (locador) dos ônus decorrentes com a imobilização de capital, podemos dizer que a CPPP se aproxima dessa figura, mas não é, propriamente, uma locação "built to suit".
Espero ter esclarecido sua dúvida.
Grande abraço.
Prof. Me. Giulliano Rodrigo Gonçalves e Silva

Monitoria do Curso de Direito disse...

Faltou o link da Secretaria de Estado de Defesa Social de Minas Gerais: https://www.seds.mg.gov.br/index.php?option=com_content&task=view&id=2073&Itemid=71.

Prof. Me. Giulliano Rodrigo Gonçalves e Silva

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