O instituto do dano moral no direito brasileiro tem se transformado com o
decorrer do tempo. Instituído em 1916, com o antigo Código Civil, em
seus artigos 76 e 159, ele foi consolidado pela Constituição Federal de
1988, chegando à fase atual, pós Código Civil de 2002 e Código de Defesa
do Consumidor.
O dicionário conceitua dano como defeito, estrago, perda, mal ou
ofensa que se faz a alguém. Em sentido comum, significa prejuízo,
destruição, inutilização ou deterioração de coisa alheia. Em termos
jurídicos, segundo Fabrício Zamprogna Matiello, autor do livro “Dano
moral, dano material e reparação”, dano é “qualquer ato ou fato humano
produtor de lesões a interesses alheios juridicamente protegidos”.
Para o jurista Caio Mario da Silva Pereira, o dano moral é “qualquer
sofrimento humano que não é causado por uma perda pecuniária e abrange
todo atentado à sua segurança e tranquilidade, ao seu amor próprio
estético, à integridade de sua inteligência, às suas afeições etc...”.
Wilson Melo da Silva explica que danos morais são lesões sofridas
pelo sujeito físico ou pessoa natural de direito em seu patrimônio
ideal, que é o conjunto de tudo aquilo que não seja suscetível de valor
econômico. Por esse entendimento doutrinário, o dano moral é qualquer
dano não patrimonial.
Diante da amplitude e subjetividade em sua definição, o instituto vem
sendo reiteradamente invocado em pedidos de indenização descabidos,
quando o sofrimento alegado pelo autor da ação, no fundo, não representa
mais do que um mero dissabor. Tais pedidos são formulados muitas vezes
com o intuito de enriquecimento sem causa por parte daqueles que afirmam
possuir direito à reparação de um dano que está limitado ao simples
aborrecimento.
O mau uso do direito e a facilidade em obter a assistência judiciária
têm preocupado os ministros do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que
se deparam diariamente com pedidos sem propósito e que sobrecarregam uma
Justiça em busca de soluções para a crescente quantidade de processos.
Aborrecimentos diários
No REsp 1.399.931, de relatoria do ministro Sidnei Beneti (já aposentado), o recorrente comprou um tablet
pela internet para presentear o filho no Natal. A mercadoria não foi
entregue, e o consumidor apresentou ação de indenização por danos
morais.
De acordo com Beneti, a jurisprudência do STJ tem assinalado que os
aborrecimentos comuns do dia a dia, “os meros dissabores normais e
próprios do convívio social, não são suficientes para originar danos
morais indenizáveis”.
Para ele, a falha na entrega da mercadoria adquirida pela internet
configura, em princípio, “mero inadimplemento contratual, não dando
causa a indenização por danos morais. Apenas excepcionalmente, quando
comprovada verdadeira ofensa a direito de personalidade, será possível
pleitear indenização a esse título”.
Segundo Beneti, o descumprimento contratual nesse caso não trouxe
outras consequências, como a frustração de um evento familiar especial
ou a inviabilização da compra de outros presentes de Natal. Também não
ficou comprovado que o tablet seria dado de presente ao filho adolescente. Nem mesmo a existência do menor ficou demonstrada nos autos.
Por essas razões, a Terceira Turma do STJ, de maneira unânime,
decidiu que não são devidos danos morais ao consumidor que adquire pela
internet mercadoria para presentear e não a recebe conforme esperado.
Transtorno em viagem
Na mesma linha do processo anterior, a Quarta Turma, também de
maneira unânime, decidiu que atraso em voo doméstico inferior a oito
horas, sem a ocorrência de consequências graves, não gera dano moral.
Conforme explicou o ministro Luis Felipe Salomão, relator do REsp 1.269.246,
a verificação do dano moral “não reside exatamente na simples
ocorrência do ilícito”, pois nem todo ato em desacordo com o ordenamento
jurídico possibilita indenização por dano moral.
Para ele, o importante é que “o ato seja capaz de irradiar-se para a
esfera da dignidade da pessoa, ofendendo-a de maneira relevante”. Por
isso, Salomão diz que a doutrina e a jurisprudência têm afirmado de
maneira “uníssona” que o mero inadimplemento contratual não se revela
bastante para gerar dano moral.
Nesse caso, tanto o juízo de primeira instância quanto o tribunal
local afirmaram que não ficou demonstrado nenhum prejuízo adicional além
do atraso do voo, de aproximadamente oito horas, pois a Gol Transportes
Aéreos S/A forneceu duas opções para os passageiros: estadia em hotel
custeado pela companhia ou viagem de ônibus até o aeroporto de outra
cidade, de onde partiria um voo para o destino pela manhã.
Segundo Salomão, a melhor doutrina leciona que “só se deve reputar
como dano moral a dor, o vexame, o sofrimento ou mesmo a humilhação que,
fugindo à normalidade, interfira intensamente no comportamento
psicológico do indivíduo, chegando a causar-lhe aflição, angústia e
desequilíbrio em seu bem-estar”.
Todos estão sujeitos
No REsp 1.234.549,
o relator, ministro Massami Uyeda (já aposentado), afirmou que as
recentes orientações do STJ caminham no sentido de afastar indenizações
por dano moral na hipótese em que há apenas aborrecimentos aos quais
todos estão sujeitos.
Os recorrentes compraram imóvel em um condomínio residencial pelo
valor de R$ 95 mil e, após a mudança, constataram diversos problemas
como infiltrações, vazamentos e imperfeição do acabamento. Tais fatos
geraram danos aos móveis da residência e problemas de saúde no filho dos
proprietários em consequência do mofo.
Os recorrentes pleitearam a rescisão contratual, a devolução do valor pago e a condenação em danos morais no valor de R$ 20 mil.
Segundo Uyeda, os problemas ocorridos no apartamento, embora tenham
causado frustração, por si sós não justificam indenização por danos
morais. Para ele, mesmo que os defeitos de construção tenham sido
constatados pelas instâncias de origem, “tais circunstâncias não
tornaram o imóvel impróprio para o uso”.
“A vida em sociedade traduz, em certas ocasiões, dissabores que,
embora lamentáveis, não podem justificar a reparação civil por dano
moral”, afirmou o ministro.
Em outro julgamento da Quarta Turma, os ministros decidiram que a
aquisição de produto impróprio para o consumo, quando não há ingestão,
configura hipótese de mero dissabor vivenciado pelo consumidor, o que
afasta qualquer pretensão indenizatória.
A discussão se deu no julgamento do AREsp 489.325,
de relatoria do ministro Marco Buzzi, e tratou do caso de um consumidor
que comprou lata de extrato de tomate com odor e consistência
alterados. A lata de extrato possuía colônias de fungos. O consumidor
não ingeriu o produto, mas pediu indenização por danos morais no valor
de R$ 6 mil e a devolução do valor pago pela lata.
Buzzi afirmou que o vício constatado no produto autoriza a
indenização por dano material, correspondente ao valor efetivamente
pago. Entretanto, como não houve ingestão do produto, a condenação do
fabricante em danos morais ficou afastada, “em razão da inexistência de
abalo físico ou psicológico vivenciado pelo consumidor”.
Porta giratória
No REsp 1.444.573,
os ministros da Terceira Turma afastaram o dano moral em ação de
reparação proposta por policial militar que alegou constrangimento ao
ficar travado na porta giratória de uma agência do Banco Santander
porque estava armado.
O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) reconheceu o dano moral e
fixou o valor da indenização em R$ 33.900. Contudo, o ministro João
Otávio de Noronha explicou que é obrigação da instituição financeira
promover a segurança de seus clientes, sendo exercício regular de
direito a utilização de porta giratória com detector de metais.
Segundo o ministro, não caracteriza ato ilícito passível de
indenização por dano moral o simples travamento da porta giratória na
passagem de policial militar armado, ainda que fardado.
De acordo com Noronha, a responsabilidade do banco em indenizar surge
somente quando praticada conduta “negligente, discriminatória ou
abusiva que provoque situação desproporcional e vexatória”, o que não
ficou constatado no caso.
Dano efetivo
Em sentido contrário aos dissabores apresentados anteriormente, no REsp 1.395.285,
de relatoria da ministra Nancy Andrighi, foi analisada a situação de um
consumidor que comprou carro zero quilômetro fabricado pela Ford Motor
Company Brasil, o qual apresentou vários problemas.
Após apenas seis meses da aquisição do automóvel, ele apresentou mais
de 15 defeitos em componentes distintos, alguns ligados à segurança –
“ultrapassando em muito a expectativa nutrida pelo recorrido ao adquirir
o bem”, afirmou a ministra Nancy Andrighi.
Tais defeitos obrigaram o consumidor a retornar por seis vezes à
concessionária para que os reparos fossem efetuados. Ainda por cima, na
última vez, um preposto da concessionária bateu o carro do cliente.
A ação proposta na primeira instância era de rescisão do negócio,
cumulada com restituição dos valores pagos e indenização por danos
morais. O TJSP fixou a indenização por danos morais em R$ 7.600.
Inconformada, a Ford recorreu ao STJ alegando que os percalços sofridos
pelo consumidor caracterizavam apenas “um inconveniente, um transtorno
sem qualquer repercussão no mundo exterior”.
De acordo com a ministra, em regra, eventual defeito em veículo se
enquadra no conceito de simples aborrecimento, incapaz de causar abalo
psicológico, “sendo de se esperar certo grau de tolerância do consumidor
na solução do problema pelo fornecedor”.
Entretanto, os ministros da Terceira Turma foram unânimes no
entendimento de que a quantidade de defeitos apresentados pelo veículo
extrapolou o razoável, inclusive porque parte deles estava ligada a
problemas no cinto de segurança, nos discos e pastilhas de freio e na
barra de direção – fatores que, segundo o colegiado, reduzem não apenas a
utilidade do bem, mas a própria segurança do condutor e dos
passageiros.
Por isso, a Turma considerou que esses defeitos “causaram ao recorrido
frustração, constrangimento e angústia, superando a esfera do mero
dissabor para invadir a seara do efetivo abalo moral”.
Fonte: Coordenadoria de Editoria e Imprensa do STJ.
Disponível em: <http://www.stj.jus.br/sites/STJ/default/pt_BR/sala_de_noticias/noticias/Destaques/Dano-moral:-o-esfor%C3%A7o-di%C3%A1rio-da-Justi%C3%A7a-para-evitar-a-ind%C3%BAstria-das-indeniza%C3%A7%C3%B5es>. Acesso em: 8-2-2015.
Processos de referência da notícia:REsp 1399931
REsp 1269246
REsp 1234549
AREsp 489325
AREsp 498961
REsp 1444573
REsp 1395285
Prof. Me. Giulliano Rodrigo Gonçalves e Silva
Apresentação de conteúdos de interesse dos acadêmicos, monitores, professores, pesquisadores e gestores do Curso de Direito.
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domingo, 8 de fevereiro de 2015
DIREITO CIVIL: dano moral: o esforço diário da Justiça para evitar a indústria das indenizações
DIREITO SOCIETÁRIO/CONCURSAL/PROCESSUAL CIVIL: é possível penhora de cotas sociais de empresa em recuperação para garantir dívida pessoal do sócio
A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) negou provimento ao recurso especial de dois sócios que tentavam anular a penhora ...
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A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) negou provimento ao recurso especial de dois sócios que tentavam anular a penhora ...
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A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) entendeu que pode ser impugnado por agravo de instrumento o ato judicial que, na ...
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Os professores Me. Giulliano Rodrigo Gonçalves e Silva e Esp. Helcio Castro e Silva participaram do 5. Congresso TMA Brasil de Reestrutur...
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