sábado, 13 de fevereiro de 2016

DIREITO CAMBIÁRIO: negócio jurídico frustrado não impede protesto de cheque

Em decisão unânime, a Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) negou provimento a recurso especial interposto contra o Banco do Brasil que buscava o reconhecimento da inexigibilidade de débito, além de indenização por danos morais em protesto de cheques feito pela instituição financeira.

O caso envolveu um comerciante do Paraná que encomendou diversas mercadorias de uma empresa e parcelou a compra com a emissão de 20 cheques. A empresa, que mantinha contrato de abertura de crédito com o Banco do Brasil para o adiantamento de cheques pós-datados, endossou os títulos de crédito ao banco.
A entrega das mercadorias, entretanto, não foi realizada, e o comerciante decidiu cancelar as compras e os cheques. O Banco do Brasil foi notificado de que o negócio foi desfeito, mas mesmo assim levou os títulos a protesto.

Protesto legítimo

No recurso ao STJ, o comerciante e a empresa alegaram violação ao artigo 25 da Lei 7357/85, pois, após o endosso, a empresa solicitou ao banco que não tomasse qualquer medida judicial enquanto as negociações com o cliente ainda estivessem em andamento.
O relator, ministro Luis Felipe Salomão, negou provimento ao recurso. Segundo ele, o protesto foi legítimo e “constitui exercício regular de direito do banco endossatário, pois diz respeito a valores estampados em título de crédito, próprio e autônomo, que, com o endosso, no interesse do endossatário, se desvincula do negócio jurídico subjacente”.
O ministro explicou que o interesse social visa proporcionar a ampla circulação dos títulos de crédito, e, no caso, isso ocorreu quando houve o endosso ao banco de boa-fé. Segundo o magistrado, “o cheque endossado – meio cambiário próprio para a transferência dos direitos do título de crédito – se desvincula da sua causa”. Acrescentou que o cheque, ao circular, adquire autonomia, tendo em vista a característica da “abstração”.
Salomão lembrou, ainda, que o banco não poderia ser privado do direito de se resguardar em relação à prescrição para o ajuizamento da ação de execução, cujo prazo é interrompido com o protesto do título de crédito.

Fonte: Coordenadoria de Editoria e Imprensa do STJ.
Disponível em: <http://www.stj.jus.br/sites/STJ/default/pt_BR/noticias/noticias/Neg%C3%B3cio-jur%C3%ADdico-frustrado-n%C3%A3o-impede-protesto-de-cheque>. Acesso em: 13-2-2016.
Processo de referência da notícia: REsp 1231856

Comentário à notícia:

Deve-se notar que no enredo acima houve "regular endosso dos cheques", ou seja, houve transmissão das cambiais por força do vigor da cláusula "à ordem", circunstância em que não há qualquer desnaturação do atributo da "abstração".
O resultado mudaria caso houvesse sido no cheque acrescida a cláusula "não à ordem" (Lei n. 7.357/1985, art. 8., II), hipótese em que a transmissão, mesmo realizada na forma de endosso, teria efeitos apenas de mera cessão civil de crédito (idem, art. 17, § 1.), daí resultando o afastamento da abstração, o que permite ao emitente opor aos cessionários todas as exceções pessoais (motivo jurídico justificador do não pagamento) que tenha contra o cedente. 

Prof. Me. Giulliano Rodrigo Gonçalves e Silva

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