"RECURSO ESPECIAL. PROCESSAMENTO SOB O RITO DO ART. 543-C DO CPC.
RECURSO REPRESENTATIVO DA CONTROVÉRSIA. ESTUPRO DE VULNERÁVEL.
VÍTIMA MENOR DE 14 ANOS. FATO POSTERIOR À VIGÊNCIA DA LEI 12.015/09.
CONSENTIMENTO DA VÍTIMA. IRRELEVÂNCIA. ADEQUAÇÃO SOCIAL. REJEIÇÃO.
PROTEÇÃO LEGAL E CONSTITUCIONAL DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. RECURSO
ESPECIAL PROVIDO.
1. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal e do Superior
Tribunal de Justiça assentou o entendimento de que, sob a normativa
anterior à Lei nº 12.015/09, era absoluta a presunção de violência
no estupro e no atentado violento ao pudor (referida na antiga
redação do art. 224, "a", do CPB), quando a vítima não fosse maior
de 14 anos de idade, ainda que esta anuísse voluntariamente ao ato
sexual (EREsp 762.044/SP, Rel. Min. Nilson Naves, Rel. para o
acórdão Ministro Felix Fischer, 3ª Seção, DJe 14/4/2010).
2. No caso sob exame, já sob a vigência da mencionada lei, o
recorrido manteve inúmeras relações sexuais com a ofendida, quando
esta ainda era uma criança com 11 anos de idade, sendo certo, ainda,
que mantinham um namoro, com troca de beijos e abraços, desde quando
a ofendida contava 8 anos.
3. Os fundamentos empregados no acórdão impugnado para absolver o
recorrido seguiram um padrão de comportamento tipicamente patriarcal
e sexista, amiúde observado em processos por crimes dessa natureza,
nos quais o julgamento recai inicialmente sobre a vítima da ação
delitiva, para, somente a partir daí, julgar-se o réu.
4. A vítima foi etiquetada pelo "seu grau de discernimento", como
segura e informada sobre os assuntos da sexualidade, que "nunca
manteve relação sexual com o acusado sem a sua vontade".
Justificou-se, enfim, a conduta do réu pelo "discernimento da vítima
acerca dos fatos e o seu consentimento", não se atribuindo qualquer
relevo, no acórdão vergastado, sobre o comportamento do réu, um
homem de idade, então, superior a 25 anos e que iniciou o namoro -
"beijos e abraços" - com a ofendida quando esta ainda era uma
criança de 8 anos.
5. O exame da história das ideias penais - e, em particular, das
opções de política criminal que deram ensejo às sucessivas
normatizações do Direito Penal brasileiro - demonstra que não mais
se tolera a provocada e precoce iniciação sexual de crianças e
adolescentes por adultos que se valem da imaturidade da pessoa ainda
em formação física e psíquica para satisfazer seus desejos sexuais.
6. De um Estado ausente e de um Direito Penal indiferente à proteção
da dignidade sexual de crianças e adolescentes, evoluímos,
paulatinamente, para uma Política Social e Criminal de redobrada
preocupação com o saudável crescimento, físico, mental e emocional
do componente infanto-juvenil de nossa população, preocupação que
passou a ser, por comando do constituinte (art. 226 da C.R.),
compartilhada entre o Estado, a sociedade e a família, com inúmeros
reflexos na dogmática penal.
7. A modernidade, a evolução moral dos costumes sociais e o acesso à
informação não podem ser vistos como fatores que se contrapõem à
natural tendência civilizatória de proteger certos segmentos da
população física, biológica, social ou psiquicamente fragilizados.
No caso de crianças e adolescentes com idade inferior a 14 anos, o
reconhecimento de que são pessoas ainda imaturas - em menor ou maior
grau - legitima a proteção penal contra todo e qualquer tipo de
iniciação sexual precoce a que sejam submetidas por um adulto, dados
os riscos imprevisíveis sobre o desenvolvimento futuro de sua
personalidade e a impossibilidade de dimensionar as cicatrizes
físicas e psíquicas decorrentes de uma decisão que um adolescente ou
uma criança de tenra idade ainda não é capaz de livremente tomar.
8. Não afasta a responsabilização penal de autores de crimes a
aclamada aceitação social da conduta imputada ao réu por moradores
de sua pequena cidade natal, ou mesmo pelos familiares da ofendida,
sob pena de permitir-se a sujeição do poder punitivo estatal às
regionalidades e diferenças socioculturais existentes em um país com
dimensões continentais e de tornar írrita a proteção legal e
constitucional outorgada a específicos segmentos da população.
9. Recurso especial provido, para restabelecer a sentença proferida
nos autos da Ação Penal n. 0001476-20.2010.8.0043, em tramitação na
Comarca de Buriti dos Lopes/PI, por considerar que o acórdão
recorrido contrariou o art. 217-A do Código Penal, assentando-se,
sob o rito do Recurso Especial Repetitivo (art. 543-C do CPC), a
seguinte tese: Para a caracterização do crime de estupro de
vulnerável previsto no art. 217-A, caput, do Código Penal, basta que
o agente tenha conjunção carnal ou pratique qualquer ato libidinoso
com pessoa menor de 14 anos. O consentimento da vítima, sua eventual
experiência sexual anterior ou a existência de relacionamento
amoroso entre o agente e a vítima não afastam a ocorrência do crime." (STJ, 3. Seção, REsp 1480881/PI, Rel. Min. Rogério Schietti Cruz, DJe de 10-9-2015).
Prof. Me. Giulliano Rodrigo Gonçalves e Silva
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quarta-feira, 23 de setembro de 2015
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